quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A propósito de tudo! Ou de nada!

Costumo dizer que a melhor coisa que a minha mãe fez por mim foi atirar-me para a frente.
Que é como quem diz, em vez de me dar o peixe ensinou-me a pescá-lo.
Sem grandes confusões nem palmadinhas nas costas, a minha mãe conseguiu que eu me tornasse uma criatura desenrascada e com um excelente jogo de cintura.
Começámos a saga quando entrei para a escola primária.
Nada dessas mariquices de: "Acorda lá meu amor. Tens o pequeno almoço na mesa. Vá lá a mãezinha ajuda-te a vestir".
Comigo foi mais do género: "Tens aqui um despertador. Funciona assim e assado. Tens que ter tempo para te levantares, vestires, comeres e chegares à escola. Hoje ajudo-te. A partir de amanhã estás por tua conta."
Ora aí está.
Sem papas na língua nem travessões no cabelo.
Eu tinha sete anos e aprendi a ser responsável num instantinho.
E nunca adormeci, nem cheguei atrasada à escola, nem coisas do género.
Hoje em dia é que os miúdos chegam atrasados porque os pais apanham trânsito pelo caminho.
E também não pensem que me foram levar à escola no primeiro dia.
Para quê? Eu sabia muito bem onde era a escola.
O facto de ter apenas sete anos era um pormenor.
Todos os dias me diziam que já não tinha idade para brincar com bonecas, por isso porque é que haviam de me levar à escola? Eu já era crescida.
De qualquer maneira, digo-vos já que eu também não ia querer de certeza.
Era assim do mais independente que possam imaginar. E despachada. Ah! Pois era! Despachadissima! Ainda sou.
Às vezes não dá jeito nenhum.
Lá fui eu para a escola.
Duas semanas depois trago um recadinho para casa. A professora queria falar com a minha mãe.
- Quando eu chegar a casa conversamos.
E eu em pânico, a pensar que raio teria feito?!
Não me lembrava assim de nada, mas...
Afinal era só porque me queriam pôr na sala da segunda classe.
Acabei por fazer a escola primária em apenas três anos. Foi quando ganhei a minha fama de génio da família. Era a intelectual da ninhada.
Mais coisa, menos coisa, ainda mantenho uma certa fama. Agora é mais de estranha, mas pronto. 
Chegava da escola e fazia o meu almoço. Durante um ano almocei bife com esparguete. Era tudo o que eu sabia fazer.
Ainda hoje adoro bife com esparguete. Sabe-me sempre a "sete anos de idade".
Depois comecei a cozinhar outras coisas: bife de cebolada, batatas fritas e cozidas, arroz branco, enfim...
E aprendi a desenrascar-me na cozinha.
A minha mãe trabalhava de costura para um armazém de revenda. Uma vez por semana ia a Lisboa de autocarro entregar o trabalho da semana.
Quando eu chegava da escola, ela normalmente ainda não tinha chegado.
Aproveitava para me aventurar nas minhas primeiras costuras na máquina dela.
E ponto a ponto, aprendi a costurar.
Estão a ver aquele ditado que diz que a ocasião faz o ladrão?
Eu aproveitava a ocasião para fazer vestidos para as bonecas que tinha escondidas no quarto e com que brincava quando tinha a certeza de não ser apanhada.
Aos poucos e porque a minha mãe tinha sempre mais que fazer do que cuidar de mim, aprendi a cuidar-me sozinha.
Hoje em dia é impensável deixar uma criança de sete anos aproximar-se de um fogão.
Eu própria, só muito tarde deixei as minhas filhas fazerem-no.
E mesmo agora, que a mais velha tem quase 20 anos e a mais nova 17, se estiver ao pé delas na cozinha e as vir com uma faca na mão:
-Tem cuidado com a faca!
- Mãe! A sério?! Já não tenho 5 anos, sabes?
Sei, mas sou exactamente o oposto da minha mãe em matéria coração. Por isso estou sempre com medo que lhes aconteça alguma coisa.
Elas são desenrascadas. Não morrem de fome se ficarem sózinhas. Sabem fazer o básico em casa. Mas eu adoro cuidar delas e dar-lhes mimo, por isso nem chega a ser uma obrigação.
E o mesmo vale para o meu "chatinho". Ele bem pode resmungar à vontade, que eu continuo a ter a mania que sou mãezinha de toda a gente.
Estou-me a afastar do ponto principal.
A educação que me deram.
Se eu tiver que agradecer alguma coisa aos meus pais será isso.
A capacidade de me desenrascar em qualquer situação, de nunca ficar atrapalhada e de saber fazer tudo. Bom, quase tudo. Mas sei  fazer furos, mudar lâmpadas, pneus do carro, usar uma chave de fendas ou philips tão bem como qualquer homem, empatar um anzol e fazer pontaria a molas de roupa. E acertar-lhes.
Obrigada aos dois.
Ao deixarem-me crescer sózinha deram-me uma enorme capacidade de enfrentar a vida e de contornar e resolver os problemas que foram e vão surgindo pelo caminho.
Faltou o carinho. Mas essa é outra história.

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