segunda-feira, 3 de outubro de 2011

De quando eu era miúda...

Mesmo muito miúda. Tinha para aí uns quatro ou cinco anos.
Fiquei doente. Apanhei uma coisa chamada escarlatina (são assim umas manchas estranhas na pele) e logo depois uma pneumonia.
A escarlatina passou-se. Fiquei de cama. Não me lembro bem, era mínima. Eu, a escarlatina acho que era de tamanho normal.
A pneumonia já é outra história.
Só para que conste eu nunca tinha levado uma injecção. Acho que nem uma vacina. Antigamente também os miúdos não levavam tanta vacina como agora. Confiava-se mais em Deus. E ainda não as tinham inventado todas.
Chamaram um médico lá a casa que decidiu que eu precisava de ir para o hospital urgentemente.
E aqui começaram os sarilhos.
Primeiro porque eu não fazia ideia do que era um hospital, mas não achei piada à ideia.
Segundo porque os meus pais não tinham carro e portanto pediram a um amigo que me levasse.
Esse amigo tinha tido um acidente de automóvel e tinha a cabeça partida.
Eu quando ouvi dizer que ele tinha partido a cabeça, imaginei assim uma coisa tipo as minhas bonecas. A cabeça a despegar-se do corpo e alguém a colá-la.
Por isso quando olhei para ele e lhe vi a cabeça completamente coberta de ligaduras brancas, desatei num berreiro digno de um infantário completo.
Sim que eu era pequenina, mas muito cheia de energia. Mesmo estando doente.
Lá me conseguiram enfiar no carro e calar a boca. Mas posso jurar-vos que durante todo o caminho até ao hospital eu olhava em pânico para a cabeça dele sempre com medo de a ver cair.
Foi a viagem mais comprida da minha vida.
E chegámos ao hospital!
Consulta.
Diagnóstico: Pneumonia.
"Precisa de levar uma injecção de penicilina. Façam-lhe o teste!"
Inje...quê?
Devem estar a brincar comigo.
E a minha mãe:
- Não é nada, é só um teste no braço para ver se és alérgica.
E eu muito desconfiada. Pois, o seguro morreu de velho e passavam a vida a dizer-me que se eu me portasse mal me levavam ao hospital para me darem uma injecção. Logo, não podia ser nada de bom. Certo?
Lá me conseguiram fazer o tal teste. Descobriram logo ali que era o mais alérgica que é possível ser à tal da penicilina. E eu a pensar: "já me safei."
As crianças são mesmo ingénuas.
Substituiram logo aquela porcaria por outra, mas infelizmente também em forma de injecção.
Foi quando começou uma cena linda.
Acreditem ou não, eu que era uma lingrinhas do pior, espernei e contorci-me como uma verdadeira enguia.
Às tantas já estavam a minha mãe, o meu pai, o médico e um enfermeiro a segurar-me e não havia maneira de a outra enfermeira, a da seringa, me conseguir dar a tal injecção.
E vira-se ela:
- Eu, meninas como tu não lhes dou injecções. Mando-as para o jardim e deixo-as lá a morrer.
Tão sensível.
Mas se pensam que ela ficou sem resposta:
- Quero lá saber. Deixe-me ir para o jardim. Mas não levo a injecção e pronto!
O meu pai perdeu a paciência, (que nunca foi muita) e passou à ameaça:
- Mas tu estás quieta e calada ou queres apanhar mesmo doente?
- Não quero saber. Podes-me bater mas eu não levo a injecção. Quero morrer.
Claro que quem é pequeno é sempre vencido.
Quase amordaçada e amarrada lá levei a injecção. Lá me mandaram para casa. Lá voltei ao carro à espera que a cabeça do homem caísse a qualquer momento.
Finalmente chegámos a casa.
E eu com mais um trauma - injecções NUNCA!
Só perdi o medo mais tarde, tinha aí uns 9 anos, com um enfermeiro maravilhoso.
Mas essa é outra história.

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