sábado, 14 de janeiro de 2012

Eu e os livros

A minha relação com os livros é tão antiga na minha vida como a minha relação com os tachos. Não acreditam? Pois para que conste eu com 4 anos já sabia ler. E bem!
Mas não faz mal que não acreditem. Na altura também ninguém acreditou em mim, as crianças são sempre incompreendidas. Eu que o diga!
Mas vamos ao que interessa.
Eu tinha quatro anos e fiquei doente pela primeira vez (lembram-se da história da injecção? Pois foi dessa vez) e como naquela época tão pré-histórica não havia Playstation, PSP, computadores ou sequer televisão no quarto, o que também não havia de valer muito a pena com apenas dois canais, e como eu nunca fui muito boa a estar quieta, chegou a uma altura em que já ninguém me podia aturar lá em casa e estavam capazes de me dar o que quer que fosse para eu deixar de me queixar da vidinha. Não se esqueçam que eu tinha quatro anos.
Adiante. Um dia depois do jantar, o meu pai e o meu padrinho, que morava connosco, antes de sairem para beber café perguntaram-me se eu queria que me trouxessem alguma coisa.
- Quero. Tragam-me livros daqueles que estão ao lado do balcão com o Mickey e o Pateta.
- Livros? Para que é que tu queres os livros? Nem sequer sabes ler.
- Sei sim senhor! Sei ler muito bem. Tragam-me lá os livros que eu já mostro se sei ou não sei. (Sempre fui tão refilona, graças a Deus).
- Pronto, pronto, não te zangues. Nós trazemos-te os livros.
E trouxeram. Eram dois livrinhos pequeninos, não sei explicar bem porque agora não vejo nada do género a vender, mas eram da Disney e tinham tipo um desenho em cima e um bocadinho de história em baixo ou ao contrário. Um era do Mickey e do seu fiel cãozinho Pluto e o outro do Goofy, que como todos sabemos é o Pateta.
- Lê lá ó espevitada. Já que sabes ler tão bem.
E eu li. Ah pois foi, calei-os num instantinho. Não lia rapidamente, mas conhecia as letras e sabia juntá-las e formar as palavras.
Ficou tudo de boca aberta, sem perceber nada do que se estava a passar.
Mas tudo na vida tem uma explicação e infelizmente tenho que admitir que, por muito que isso me agradasse, não sou nenhum génio.
A minha mãe trabalhava em casa de costura e para me entreter, e eu não era fácil, porque nunca me calava, comprou um livro da 1ª classe (para os mais novos, 1º ano do ensino básico) e ia-me mostrando as imagens e dizendo as letras - 'a' de águia, 'e' de égua, 'i' de igreja, 'o' de ovo e 'u' de uva. O livro continuava com o abecedário muito bem explicado com uns desenhos amorosos dos quais ainda me lembro muito bem (agora tenho 45 anos, mas continuo a falar pelos cotovelos) e na parte final quando era suposto já se saber juntar as letras, tinha algumas histórias.
Ainda me lembro que uma delas era o "Milagre das Rosas", aquela história da rainha Santa Isabel, que transformou o pão em rosas, lembram-se?
De tanto repetir fui memorizando as letrinhas. Sempre tive uma memória fantástica, agora é que estou um bocadinho mais esquecida, mas claro que é da idade. Ai...
Enfim, a minha mãe estava convencida que eu sabia o livro de cor e por isso quando eu pegava e 'lia' as histórias do mesmo, ela achava que eu estava só a 'fazer género'. Vou voltar a dizer, as crianças são sempre incompreendidas.
Por isso imaginem as caras deles a olharem para mim e verem uma verdadeira amostra de gente (eu fui sempre mínima) a debitar uma história que nunca tinha visto na vidinha.
E claro que nem preciso de dizer que levaram comigo no fim.
- Então? Sei ler ou não sei? Mas porque é que nunca ninguém acredita em mim? Se eu disse que sabia é porque sabia não é? Se não não dizia.
A lógica infantil é imbatível.
- Sabes sim senhora, muito bem, mas como é que aprendeste?
Pronto tive que lhes explicar o b-a, ba.
A partir daí nunca mais parei. Natal, aniversários, as minhas listas eram sempre de livros. Ainda hoje são, só que agora também incluem acessórios de cozinha...
Devia ter uns nove anos quando me ofereceram o primeiro volume de "Retalhos da Vida de Um Médico", de Fernando Namora, uns meses antes de começar a passar a série na televisão.
Nessa altura já tinha devorado tudo o que Enid Blyton tinha escrito, Cinco, Sete, Cinco Descobridores e o Seu Cão, Colégio das Quatro Torres, Colégio de Santa Clara...
Já tinha lido algumas coisas de Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós e a dona da livraria onde o meu pai costumava comprar os meus livros já não sabia que mais havia de recomendar porque achava que eu ainda era muito miúda. Portanto lembro-me que quando abri os meus presentes no dia de Natal desse ano, (na minha infância abriam-se no dia 25 e era o Menino Jesus que os dava, o pai Natal é uma invenção da Coca-Cola), descobri os dois volumes de Retalhos da Vida de Um Médico e um mundo completamente novo para mim. Foi preciso ameaçarem-me para me sentar à mesa, já com metade do primeiro volume lido.
Fiquei apaixonada de tal forma que enquanto não consegui ter os livros dele todos, guardei todo o meu dinheiro de semanadas, padrinhos, tios, tudo para a livraria e acho que chorei quando ele morreu, ja eu era adolescente. Era uma emoção chegar a casa com um livro novo e aquele cheirinho do papel, que ainda hoje amo, e descobrir personagens tão diferentes, vivências... mundos completamente novos para mim.
Depois veio Júlio Dinis, Júlio Verne, passei a fase policial, entrei no romance, lia tudo, mas mesmo tudo o que apanhava a uma velocidade que era impossível de descrever.
Uma paixão que descobri com quatro anos e que me ficou para a vida. Posso entrar e sair de uma loja de roupa sem nada, de uma sapataria, perfumaria, o que for, mas de uma livraria é dificil. Adoro a Bertrand que existe no shopping ao pé da minha casa e onde os empregados já me conhecem para lá de bem. É preciso estar muuuuuuuuuuuuito em baixo de finanças para resistir a um novo título. Adoro livros com histórias reais, romances históricos, romances, poesia, basicamente tudo.
Adoro ler.
O melhor emprego que tive na minha vida foi a escrever as páginas de literatura da revista Focus - pagavam-me para ler e ainda por cima me mandavam os livros. Era mesmo bom. Ficava estendida no sofá a 'trabalhar'. Arduamente, garanto que nessa altura trabalhava sempre arduamente.
Quando vou de férias levo sempre um carregamento de livros, normalmente um meio a dois por dia, dependendo do tema, do autor, do número de páginas. O meu marido fica doente:
- Precisas mesmo de levar isso tudo? Não podes comprar lá?
Não, não posso. Preciso de os escolher com calma, de os 'saborear' e decidir o que levar já faz parte do gozo das férias.
PORQUE É QUE NINGUÉM ENTENDE?
A par de cozinhar, ler é das coisas que mais gosto de fazer e aquela que me permite alhear-me do mundo.
Consegui passar esta paixão às minhas filhas. Não tão intensa, mas adoram ler o que me deixa muito feliz.
Tenho tanta pena das pessoas que dizem não gostar de ler.
Entrar num livro, na história, na cabeça das personagens, criar um filme na nossa cabeça é muito bom.
Por isso odeio os filmes dos livros. São tão insípidos. Nunca conseguem transmitir nada daquilo que eu estou à espera.
O meu livro de cabeceira? São tantos... A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera, Os Cisnes Selvagens, Memórias de Uma Gueixa, Fauziya Kasinga - As Lágrimas do Silêncio (Mutilação Genital Feminina), Amanhecer, sei lá, são tantos.
O que estou a ler agora? Dei-te o Melhor de Mim, Nicholas Sparks e Raparigas da Villa de Nicki Pellegrino.
O que vou ler a seguir?
Ainda não sei, mas apetece-me voltar a reler algumas coisas como Os Maias e O Monte dos Vendavais, que uma amiga me ofereceu há algum tempo e que adorei.

 

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